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• 17 de Fev, 2020 • 13:36

Era Digital: O fim das profissões tradicionais e do emprego formal?

Digital Era: The end of traditional jobs and formal employment?

A transformação tecnológica que vem levando a sociedade para a era digital tem trazido avanços em todos os campos do mundo moderno. Hoje em dia, é possível pedir comida sem sair de casa, alugar imóveis pela internet e até mesmo fazer um implante ósseo com prótese produzida por uma impressora 3D.

No entanto, tais avanços também levantam questões e causam impactos, pois as mudanças precisam ser absorvidas pelo mundo e pela sociedade atual. Isto porque as novas tecnologias, a despeito de trazerem mudanças que facilitam o dia a dia da maioria dos usuários, também acarretam alterações em situações há muito estabelecidas e que os principais atores não querem mudar. Muitos desses impactos podem ser vistos no âmbito das relações de trabalho que vem precisando se adaptar a nova realidade, seja porque a tecnologia vem substituindo postos de trabalhos ou até mesmo extinguindo profissões antes consideradas essenciais.

Pode-se citar, por exemplo, o caso dos taxistas que, quando do surgimento dos aplicativos de motoristas de carros particulares, se sentiram prejudicados e até greve fizeram. No caso da cidade de São Paulo, até a Prefeitura tentou proibir, mas depois percebeu que seria melhor regulamentar e taxar. No entanto, com o tempo percebeu-se que seria possível para todos conviver em harmonia, a despeito do aumento da competitividade.

Ainda no contexto dos aplicativos de motoristas particulares, cumpre citar caso que vem tramitando nos tribunais brasileiros e pode impactar o cenário de startups tecnológicas como Uber, Rappi, iFood etc.

Em decisão tomada na semana passada, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que a relação entre o aplicativo Uber e os motoristas não cria vínculo empregatício. O Acórdão menciona, inclusive, que “o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar “off line”, sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por diaTal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo” (g.n.).

A legislação trabalhista é clara ao prever que “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (Artigo 3 da CLT), o que certamente não acontece no caso do Uber ou demais prestadores de serviços similares que tem liberdade para escolher quando e por quanto tempo irão trabalhar.

O Acórdão ainda cita trechos da decisão do Tribunal Regional do Trabalho que havia decidido de forma diversa ao entender que o Uber era uma empresa de transporte de passageiros e que a habitualidade do motorista estaria amplamente comprovada. Ainda segundo a decisão da instância inferior “o exame das demandas judiciais que envolvem os novos modelos de organização do trabalho deve se dar à luz das novas concepções do chamado trabalho subordinado ou parasubordinado, especialmente considerando o avanço da tecnologia. Aliás, a alteração introduzida pela Lei 12. 551/2011 no art. 6.º da CLT, é expressiva na direção ora apontada. De acordo com o parágrafo único ‘Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalhado alheio.’ (…) “.

Tal tese foi rechaçada pelo TST que concluiu que as relações trabalhistas têm sofridos transformações tremendas, mas que cabe a “Justiça Especializada permanecer atenta à preservação dos princípios que norteiam a relação de emprego, desde que presentes todos os seus elementos“.

Segundo a legislação trabalhista, para que seja reconhecida a relação de emprego, devem estar presentes, de forma concomitante, todos os elementos que a compõe, quais sejam: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade, sendo que a ausência de qualquer um deles desconfigura a relação, ainda que possa configurar trabalho autônomo ou eventual.

A decisão, inédita no TST, já sinaliza uma possível homogeneização deste tema nos tribunais superiores (uma vez que ainda há muita controvérsia nos Tribunais Regionais do Trabalho, inclusive, em decisões do mesmo tribunal). Isto deve contribuir para a manutenção deste modelo de negócio que vem sendo adotados por diversas empresas atualmente.

No resto do mundo, o assunto também é bastante controvertido. Decisões recentes no Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, vem reconhecendo a relação empregatícia. Além disso, no ano passado, a Califórnia editou uma lei (i.e., Assembly Bill Nº 5 ou AB5) que inseriu na legislação trabalhista um teste conhecido como Teste ABC para verificar se uma pessoa que oferece serviços mediante remuneração deve ser considerada um empregado ou não. Segundo o Teste ABC, a pessoa será considerada um empregado a menos que a empresa contratante demonstre que o trabalhador: (i) realiza o trabalho fora do controle da contratante; (ii) realiza trabalho que está fora do negócio principal da contratante; (iii) está habitualmente envolvido em comércio, ocupação ou negócio independente, da mesma natureza do trabalho realizado. Apesar de não reconhecer expressamente a existência de vínculo, a AB5 traz ainda mais desafios para as empresas que adotam esse modelo de negócio.

Em resposta a promulgação da AB5, o Uber declarou que a Califórnia está perdendo uma oportunidade real de liderar o país, melhorando a qualidade, a segurança e a dignidade do trabalho independente. Ademais, expressa que a AB5 não reclassifica automaticamente nenhum motorista de contratados independentes para funcionários, mas apenas insere o Teste ABC na legislação trabalhista para ser usado para determinar se um trabalhador deve ser classificado como contratado independente ou um funcionário.

Pelo visto, essa batalha está apenas começando.


(Pt-br) A transformação tecnológica que vem levando a sociedade para a era digital tem trazido avanços em todos os campos do mundo moderno. Hoje em dia, é possível pedir comida sem sair de casa, alugar imóveis pela internet e até mesmo fazer um implante ósseo com prótese produzida por uma impressora 3D.

No entanto, tais avanços também levantam questões e causam impactos, pois as mudanças precisam ser absorvidas pelo mundo e pela sociedade atual. Isto porque as novas tecnologias, a despeito de trazerem mudanças que facilitam o dia a dia da maioria dos usuários, também acarretam alterações em situações há muito estabelecidas e que os principais atores não querem mudar. Muitos desses impactos podem ser vistos no âmbito das relações de trabalho que vem precisando se adaptar a nova realidade, seja porque a tecnologia vem substituindo postos de trabalhos ou até mesmo extinguindo profissões antes consideradas essenciais.

Pode-se citar, por exemplo, o caso dos taxistas que, quando do surgimento dos aplicativos de motoristas de carros particulares, se sentiram prejudicados e até greve fizeram. No caso da cidade de São Paulo, até a Prefeitura tentou proibir, mas depois percebeu que seria melhor regulamentar e taxar. No entanto, com o tempo percebeu-se que seria possível para todos conviver em harmonia, a despeito do aumento da competitividade.

Ainda no contexto dos aplicativos de motoristas particulares, cumpre citar caso que vem tramitando nos tribunais brasileiros e pode impactar o cenário de startups tecnológicas como Uber, Rappi, iFood etc.

Em decisão tomada na semana passada, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entendeu que a relação entre o aplicativo Uber e os motoristas não cria vínculo empregatício. O Acórdão menciona, inclusive, que “o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar “off line”, sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por diaTal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo” (g.n.).

A legislação trabalhista é clara ao prever que “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário” (Artigo 3 da CLT), o que certamente não acontece no caso do Uber ou demais prestadores de serviços similares que tem liberdade para escolher quando e por quanto tempo irão trabalhar.

O Acórdão ainda cita trechos da decisão do Tribunal Regional do Trabalho que havia decidido de forma diversa ao entender que o Uber era uma empresa de transporte de passageiros e que a habitualidade do motorista estaria amplamente comprovada. Ainda segundo a decisão da instância inferior “o exame das demandas judiciais que envolvem os novos modelos de organização do trabalho deve se dar à luz das novas concepções do chamado trabalho subordinado ou parasubordinado, especialmente considerando o avanço da tecnologia. Aliás, a alteração introduzida pela Lei 12. 551/2011 no art. 6.º da CLT, é expressiva na direção ora apontada. De acordo com o parágrafo único ‘Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalhado alheio.’ (…) “.

Tal tese foi rechaçada pelo TST que concluiu que as relações trabalhistas têm sofridos transformações tremendas, mas que cabe a “Justiça Especializada permanecer atenta à preservação dos princípios que norteiam a relação de emprego, desde que presentes todos os seus elementos“.

Segundo a legislação trabalhista, para que seja reconhecida a relação de emprego, devem estar presentes, de forma concomitante, todos os elementos que a compõe, quais sejam: pessoalidade, habitualidade, subordinação e onerosidade, sendo que a ausência de qualquer um deles desconfigura a relação, ainda que possa configurar trabalho autônomo ou eventual.

A decisão, inédita no TST, já sinaliza uma possível homogeneização deste tema nos tribunais superiores (uma vez que ainda há muita controvérsia nos Tribunais Regionais do Trabalho, inclusive, em decisões do mesmo tribunal). Isto deve contribuir para a manutenção deste modelo de negócio que vem sendo adotados por diversas empresas atualmente.

No resto do mundo, o assunto também é bastante controvertido. Decisões recentes no Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo, vem reconhecendo a relação empregatícia. Além disso, no ano passado, a Califórnia editou uma lei (i.e., Assembly Bill Nº 5 ou AB5) que inseriu na legislação trabalhista um teste conhecido como Teste ABC para verificar se uma pessoa que oferece serviços mediante remuneração deve ser considerada um empregado ou não. Segundo o Teste ABC, a pessoa será considerada um empregado a menos que a empresa contratante demonstre que o trabalhador: (i) realiza o trabalho fora do controle da contratante; (ii) realiza trabalho que está fora do negócio principal da contratante; (iii) está habitualmente envolvido em comércio, ocupação ou negócio independente, da mesma natureza do trabalho realizado. Apesar de não reconhecer expressamente a existência de vínculo, a AB5 traz ainda mais desafios para as empresas que adotam esse modelo de negócio.

Em resposta a promulgação da AB5, o Uber declarou que a Califórnia está perdendo uma oportunidade real de liderar o país, melhorando a qualidade, a segurança e a dignidade do trabalho independente. Ademais, expressa que a AB5 não reclassifica automaticamente nenhum motorista de contratados independentes para funcionários, mas apenas insere o Teste ABC na legislação trabalhista para ser usado para determinar se um trabalhador deve ser classificado como contratado independente ou um funcionário.

Pelo visto, essa batalha está apenas começando.


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