Segundo a empresa de dados de crédito Boa Vista, o número de pedidos de recuperação judicial no país cresceu 89,7% em junho de 2019 se comparado com o mesmo mês do ano anterior. No primeiro semestre, porém, o número de recuperações ajuizadas é 27,3% menor do que o mesmo período de 2018.
Apesar da aparente ‘melhora’ quando comparado com o ano passado, o número pode ser encarado como um reflexo da situação atual de crise dos motores da economia, já que o consumo das famílias está em declínio em razão do alto endividamento (o mês de maio apresentou 62,5 milhões de pessoas físicas inadimplentes, o que é agravado pelo desemprego ou subutilização de 31,1 milhões de pessoas), o nível de investimento feito por pessoas jurídicas privadas cai constantemente (a ponto de, atualmente, o volume de crédito captado entre janeiro a maio de 2019 por pessoas jurídicas – R$ 1,44 bilhão – ser menor que de pessoas físicas – R$ 1,84 bilhão), há 25% de ociosidade na capacidade produtiva instalada e as exportações, apesar de manterem uma relação estável com as importações, são compostas majoritariamente por produtos primários (51% do volume total). Some-se a isso as dificuldades do governo federal em efetuar investimentos públicos, que caíram para o menor nível desde 2012 (R$ 12,3 bilhões, maior apenas que a Educação, R$ 7,4 bilhões).
Pode-se enxergar nos números um reflexo do aprofundamento de um processo de desindustrialização sem precedentes na economia brasileira, que entre 2013 e 2018 viu 341,6 mil empresas fecharem (dados do IBGE), e para o qual não se vê um projeto que possa produzir resultados satisfatórios a médio prazo.
A situação coloca o empresário endividado frente a algumas escolhas difíceis, resultado da incapacidade de seu caixa para fazer frente aos seus compromissos mais imediatos. Muitas vezes empresas absolutamente solventes, mas ilíquidas, têm de fazer um julgamento sobre quais dívidas devem ser pagas com os recursos disponíveis e quais o serão depois, colocando o administrador em uma situação de delicado equilíbrio.
O instituto de recuperação judicial criado pela lei 11.101/05, com inspiração na lei de insolvência americana, pode trazer para uma empresa uma solução para rearranjar esse cenário de maneira sustentável, mas desde que manejado a tempo hábil.
O deferimento do pedido de recuperação suspende a exigibilidade das dívidas cíveis e trabalhistas do devedor pelo prazo de 180 dias, conferindo o fôlego necessário para a preparação de um plano de recuperação que contemplará as medidas para a superação da crise e as condições de pagamento desse passivo sujeito. Há, ainda, a imposição à empresa do dever de empregar todos os esforços para garantir a manutenção de suas atividades e da fonte de empregos, fundamento axiológico máximo da lei, conforme exposto em seu art. 47.
Aqui exsurge a problemática do momento correto para o ajuizamento da medida. Muitas vezes o empresário, movido por seu espírito empreendedor, posterga ao máximo a opção pela recuperação, recorrendo a recontratações de empréstimos bancários, factorings ou pedidos de dilação de prazos, sem se atentar para os benefícios que o instituto pode trazer se bem manejado.
A efetividade de tais benesses, contudo, está umbilicalmente ligada à capacidade da empresa de manter certo nível de atividade, o que pressupõe um cenário de geração de caixa razoável e de credibilidade, aliado a uma preparação correta e minuciosa que antecede o protocolo da petição inicial. E isso depende do reconhecimento da insustentabilidade da situação o mais cedo possível, evitando soluções que, enquanto aliviam a situação com credores pontuais, acaba por agravar a situação do ponto de vista macro. A hesitação é o pior inimigo de uma sólida recuperação judicial.
Há, claro, o natural receio de que o pedido de recuperação judicial seja entendido pelo mercado como uma espécie de confissão de falência. Todavia, a experiência vem mostrando exatamente o contrário, ou seja, que o instituto serve à criação de um ambiente racionalmente organizado para a superação de uma crise e é percebido positivamente pelos credores. Prova disso é o recente estudo da Associação Brasileira de Jurimetria, no qual se constatou a alta a taxa de aprovação dos planos apresentados, chegando a 81% nas varas especializadas.
A opção pela recuperação judicial pode ser tomada como um remédio amargo por vários empresários, que receiam perder sua preciosa confiança perante clientes, fornecedores e empregados. No entanto, a escolha feita no momento oportuno, precedida por uma preparação cuidadosa, abre um horizonte de expectativas claras e previsíveis, ideais para um planejamento racional e suficiente para o soerguimento da companhia.